Parte 24
(continuação...)
Bato à porta do gabinete do professor de Álgebra, depois de me certificar junto da portaria que ele está no gabinete. O professor está sentado à secretária, de máscara posta. É um homem baixinho e gordinho, já grisalho que veste um fato cinzento e uma camisa azul, sem gravata. Cumprimento-o e começamos a falar.
- Bom dia Tiago, como está?
- Bom dia Engenheiro, estou bem, na medida do possível.
- O pai, como está?
- Em coma induzido, mas a operação correu bem e espera-se que recupere.
- Lamento a situação. Espero que recupere rápido.
- Obrigado, Engenheiro.
- Tiago, temos de resolver este problema do teste. Quando é que pode fazê-lo?
- Quando o Engenheiro quiser. Estou pronto para ele, como estava ontem de manhã.
- Acha que está em condições de o fazer hoje à tarde? Às 15h, por exemplo?
- Sim, Engenheiro. Claro que sim. Em que sala?
- Um momento, vou ver a disponibilidade.
Pega no telefone e marca um número. Aguarda uns segundos e, em voz formal, solicita uma sala para um teste individual a um aluno que teve um problema familiar, para hoje à tarde. De preferência por volta das 15h. Diz que não duas vezes e finalmente a sugestão agrada-lhe.
- OK, pode reservar. Muito obrigado. Bom dia. - vira-se pra mim e diz: - 15:30 na sala 19.
- Lá estarei, Engenheiro. Mais uma vez obrigado.
Mando sms à Luísa e ao João a informar que tenho o teste às 15:30. O João diz que me vai dar o enunciado dele ao almoço para eu rever as perguntas. A Luísa pergunta onde é o teste. Quando respondo, ela diz que vai lá ter 10 minutos antes para me dar um beijinho. Agradeço e sigo para a sala de estudo. O João liga-me às 13h e vem ter comigo. Dá-me o enunciado e revemos rapidamente o teste com a ajuda da sebenta e dos textos e vamos almoçar. Depois do almoço passo pela sala de estudo para rever um parágrafo da matéria e sigo para a sala 19. Conforme prometido, a Luísa vem ter comigo, uns minutos antes. Abraça-me e deseja-me sorte, ficando comigo até eu entrar na sala, às 15:30 em ponto.
O professor está de pé à minha espera. Quando me vê, aponta-me uma secretária e pede-me para me sentar. Quando me sento e vou retirar o estojo da mochila, ele pára-me. Vamos ter uma prova oral. O professor apresenta-me um caso prático em power point e eu respondo oralmente, misturando dois métodos dados em aula com um terceiro que ainda não tinha sido dado. Surpreendido, questiona-me sobre o meu conhecimento do método e eu informo-o que já o li nos textos da disciplina e sempre o achei o mais moderno e capaz de resolver os problemas mais comuns. O professor, satisfeito com a resposta, chama-me ao quadro e pede-me para expor o modelo em cálculo, usando valores aparentemente aleatórios. Mas eu recordo-me rapidamente de ter visto os valores semelhantes numa pergunta com rasteira de um exame final e respondo isso mesmo. Intrigado, o professor faz um novo caso prático, desta vez com valores reais usados num projecto. Efectuo os cálculos com alguma dificuldade mas confiante e, com a ajuda da máquina de calcular, resolvo o caso prático em alguns minutos. Impressionado, o professor diz-me que é suficiente. Pede-me para sentar novamente e faz-me duas questões mais complexas. Uma delas, tenho a resposta na ponta da língua mas a outra nem por isso e atrapalho-me a responder. O professor termina com mais um caso prático retirado de um caderno de apontamentos dele e eu efectuo o cálculo, mas confundo dois métodos e não dou a resposta perfeita. Ainda assim, ele está satisfeito e diz-me: "Muito bem Tiago. Estou muito contente com os seus conhecimentos. 15 valores. Se mantiver a nota no próximo teste, vou ficar muito contente.
- Obrigado Engenheiro.
- Pode sair. Uma boa tarde.
- Boa tarde Engenheiro.
Saio da sala inchado de orgulho. 15 valores a Álgebra. O ano passado, vi-me e desejei-me para não ir a exame. A Luísa espera-me à porta do edifício e, ao saber da nota, arranca-me a máscara e beija-me efusivamente. Mando mensagem ao João, que responde com um emoji com um braço a fazer músculo que me faz rir. Já não tenho mais aulas e o próximo teste é daqui a uma semana, por isso aceito o convite da Luísa e vamos para casa dela jantar. Mas antes, passo em casa para pegar uma muda de roupa e o estojo de casa de banho.
Seguimos de mão dada pela rua quando passamos pelo Zé Manel Porco. A Luísa continua como se nada se passasse mas ele interpela-nos, pondo-se à nossa frente na rua estreita.
- Olá Luísa, tudo bem?
- Sim e tu?
- Também. Olha, queres ir beber um copo um dia destes? - pergunta-lhe enquanto me fita com ar de gozo, a ver a minha reacção. Mantenho-me calado.
- Não.
- Não? Porquê?
- Porque não quero sair contigo.
- E quem é este? O teu novo namorado?
- Sim.
- Como te chamas, miúdo?
Ainda sem falar, olho-o desafiadoramente, sem receio. O Ze Manel é um rapaz de 22 anos, com cerca de um metro e noventa e que pesa uns cem quilos se não mais. Como sempre, anda trajado e com a guitarra ao ombro. O cabelo louro cor de palha e os olhos azuis, mais as faces rosadas dão-lhe um ar de criança, mas este tipo é mau como as cobras.
- Não me ouves a falar contigo?
- Não quero conversas contigo. - digo-lhe.
- Olha olha, o puto tem genica.
- Zé Manel, põe-te a andar. Não tenho mais nada para te dizer. - diz-lhe a Luísa
- Olha lá pá, tás a falar com quem nesses termos?
- Não a ouviste? Não temos conversa para ti. Deixa-nos passar. - digo, colocando-me entre os dois para evitar mais chatices
- Tu tá mas é calado que ninguém falou contigo.
- Zé, deixa-nos passar se faz favor! Não sejas estúpido. - a Luísa está em brasa com a situação, nas minhas costas.
- Tás a chamar estúpido a quem, pá! Já me tou a passar. Tás aqui tás a...
- Tou a quê? Vais-me bater? No meio da rua? E ao meu namorado também? Mas tu és idiota ou fazes-te?
O Zé Manel pondera as suas opções de resposta neste momento. Por detrás dos seus olhos quase se vêm os neurónios a funcionar a todo o vapor, mas a Luísa fala antes de ele sequer conseguir responder.
- Vê lá se não te esqueces da nossa conversa. Além dos teus pais, os teus amiguinhos da tuna e o Conselho Directivo também podem receber emails.
O Zé Manel muda de cor e diz para irmos andando, estupidamente. Afasta-se e deixa-nos passar, ficando a ver-nos até contornarmos a esquina seguinte. Quando temos a certeza de que não nos segue, a Luísa pede-me desculpa pela situação. Eu nem digo nada. Ela não tem culpa. Só teve dedo podre, quando namorou com ele. Mas não digo isto em voz alta. O dia está a correr bem, não vamos estragar. Seguimos em silêncio até à casa dela. Ela mete a chave à porta e entramos.
(continua...)