Parte 10
(continuação...)
Chego à rua da Clara e rapidamente a encontro. Páro o carro em frente à paragem do autocarro e digo "Clara Durães? Sou o Miguel Azevedo. Vamos ter com a Bárbara?". Ela entra no carro, aperta-me a mão e diz "Vamos lá".
A caminho do hospital, quase não falamos, o que me assusta um pouco. Pelo canto do olho, eu mirava a Clara com atenção. Alta, quase com metro e oitenta de certeza, magra e com um corpo delgado, não é de todo o meu estilo de mulher. Mas não há dúvida de que é uma mulher linda. Loura como a Bárbara, mas com um penteado arrapazado, um nariz arrebitado e sardas claras que lhe dão um ar de menina pespineta. A blusa preta que traz é uma blusa básica sem quaisquer enfeites ou estampados que lhe fica um pouco justa, revelando um peito pequeno, com soutien. Já no Hospital, saímos no carro e ela segue num passo decidido para as Urgências. Eu vou atrás dela e estudo o resto do corpo dela. As calças de ganga justas assentam-lhe bem e o rabo pequeno bamboleia à minha frente com ar firme. Pernas compridas e finas. Calçado prático e confortável. Ombros estreitos e braços finos e torneados.
Entramos nas Urgências e ela dirige-se imediatamente a dois polícias que lá estão, a perguntar se sabem onde está a senhora Bárbara Sousa. Eu vou directo ao guichet e faço a mesma pergunta à administrativa, que procura no computador:
"O senhor é familiar?"
"Er... Namorado"
"Lamento, mas só estou autorizada a informar membros da família"
"Um momento então. Clara? A senhora só pode informar elementos da família da Bárbara. Chegas aqui por favor?"
"Sim claro. Boa noite, eu sou a irmã da Bárbara Sousa. Chamo-me Clara Durães, ela deve ter-me dado como contacto."
"Sim, sim. Clara Durães. Pode acompanhar-me por favor?"
"O namorado da Bárbara pode vir também? Por favor? Não vai deixar o rapaz aqui fora em stress, sem saber nada da namorada dele, só porque eles ainda não casaram, não é?"
A administrativa olha para mim com um ar inseguro e diz: "São as instruções que tenho"
"Ninguém tem de saber...." - pressiona a Clara com ar desafiador
"Venha lá então."
Agradecemos os dois e seguimos atrás dela.
Entramos num gabinete com cinco pessoas com máscara anti-COVID colocada. A Bárbara estava sentada numa marquesa. Não tinha qualquer dano físico visível, mas estava vestida com uma bata do hospital até aos joelhos e com os olhos inchados e vermelhos de choro. Quando me viu com a Clara, meteu as mãos a tapar a cara e começou a chorar baixinho, com o peito a sacolejar devido ao soluçar. Em frente a ela, um agente da polícia fardado com cerca de 30 anos, alto e com um ar fit e musculado, olhos azuis com um olhar gélido e o que parecia ser um detective, um homem careca de cerca de 50 anos vestido com um fato velho e coçado, gravata com o nó de lado e sapatos pretos com berloques. Num canto da sala, claramente atenta ao que se estava a passar, uma médica jovem, com umas calças de ganga largas e uma blusa colorida. Nos pés calçava umas crocs azuis escuras com bonecos. Mirava a cena com alguma consternação, mas quando entrámos afastou o olhar para nos contemplar de cima abaixo. Ao seu lado, uma enfermeira mais velha, com um ar pesado e olhos bondosos e preocupados.
"Menina Bárbara, por favor, precisamos que se concentre e nos diga o que se passou" - disse o detective, com voz bondosa mas sem dar azo a grandes discussões
"Então... o que se passou... saí do trabalho por volta das 18h... cheguei ao estacionamento e..." - diz a Bárbara entre soluços
"Mas entre sair do trabalho e chegar ao estacionamento? Precisamos do máximo de detalhes, por favor" - insiste o detective, enquanto o polícia toma notas numa banqueta
"Não me lembro, sei lá... Saí do edifício, andei até ao semáforo para atravessar a passadeira... - continua a Bárbara
"Recorda-se se estava muita gente na passadeira? Estava alguém encostado ao semáforo, por exemplo?" - interrompe novamente o detective
"Estava uma senhora idosa ao meu lado para atravessar, isso eu lembro-me. E havia mais gente, mas não sei quantos homens e quantas mulheres. Eram mais de um, pelo menos. E não vi ninguém encostado ao semáforo."
"Sim, prossiga"
"Atravessei a passadeira e dirigi-me ao estacionamento... Desci as escadas..." - continua ela
"Desculpe, menina. Antes de chegar às escadas, reparou se alguém ia atrás de si, ia a mexer na mala, ou ia a mexer no telemóvel?" - questiona o detective, ao que o polícia assenta com a cabeça
"Que eu tenha visto não ia ninguém atrás de mim... o telemóvel estava dentro da mala, eu levava as chaves do carro na mão"
"Trazia as chaves do carro na mão desde que saiu do edifício do seu emprego?" - pergunta o detective, claramente empenhado em apanhar todos os detalhes
"Não... Retirei-as enquanto esperava que o semáforo ficasse verde, acho eu" - Responde a Bárbara, a medo
"Então mexeu na mala enquanto esperava no semáforo, muito bem" - diz o polícia, tomando notas enquanto fala
"Recorda-se de ter mexido na mala em mais algum momento, menina Bárbara?" - insiste o detective
"Na... na... não... creio que não" - choraminga Bárbara
"Muito bem. Prossiga. Chegou à escada de acesso ao estacionamento..." - diz o detective, fazendo um sinal com a mão para ela seguir a partir daí
"Desci as escadas... sozinha... não me cruzei com ninguém até chegar ao carro... o estacionamento não tem muita luz por isso não sei se estava alguém perto de mim e, quando meti a chave à porta do carro para meter a chave, senti uma mão com uma luva a tapar-me a boca e outra na minha cintura, impedindo-me de me mexer. Depois veio um homem vestido de preto, e tirou-me a mala. Espreitou para dentro da mala, tirou a carteira, abriu-a, viu que eu não tinha dinheiro, fez um sinal com a cabeça à pessoa que me estava a agarrar, que me atirou para o banco de trás do carro e...." - Neste momento, a Bárbara começa a chorar.
"Menina Bárbara, peço desculpa, eu sei que é complicado. Mas tenho algumas questões. Primeiro, as mãos que lhe taparam a boca e imobilizaram. Tinham as duas luvas?" - pergunta o detective
"Sim" - responde a Bárbara entre soluços
"Consegue dizer com certeza se eram de homem ou mulher?" - continua ele
"Não, mas acho que eram de homem. Fazia muita força" - responde a Bárbara, insegura
"O homem que lhe tirou a mala, era alto, baixo, branco..." - pergunta novamente
Neste momento, a Bárbara olha para mim, de cima a baixo e pergunta-me "Medes um metro e oitenta?"
"E setenta e oito" - respondo eu
"O homem teria um metro e oitenta e cinco a um metro e noventa, era mais magro que o meu namorado mas não muito, devia pesar uns cento e quinze quilos. Vestia umas calças de ganga pretas e uma camisola de mangas compridas também pretas. Trazia uma máscara descartável azul e óculos escuros. Era branco. Não trazia luvas. O cabelo era escuro, castanho ou preto. Não sei que idade teria, podia ter 18 ou 45. O que melhor recordo é uma tatuagem nas costas da mão" - diz a Bárbara
Ao ouvir isto, o polícia começa a escrever furiosamente e o detective dá um salto em frente, como se quisesse arrancar a informação à força.
"Tatuagem? Isso é muito importante. Menina Bárbara, consegue descrever a tatuagem? Recorda-se?" - pergunta o detective, excitado
"Sim. Muito bem. A tatuagem ocupava as costas da mão, mas não os dedos..." - e com a mão dela mostra onde estava a tatuagem - "... e representava uma águia enorme, sem cor, com um peixe entre as garras" - diz ela, branca como a cal da parede e a transpirar
"Lembra-se de mais alguma coisa? Unhas pintadas, anéis, outras tatuagens" - pergunta o polícia, enquanto escreve na sua banqueta
"Não, mais nada" - Responde a Bárbara
"Muito bem, prossiga" - diz o detective - "Viu-lhe bem a mão e..."
"Atiraram-me para o banco de trás do carro, meteram-me as pernas de fora, arrancaram-me as calças e violaram-me. Foi neste momento que eu vi bem a mão do homem. Ele estava deitado em cima de mim, com a mão esquerda a tapar-me a boca e a direita ao lado da minha cabeça" - Diz a Bárbara, irrompendo novamente num choro baixinho e tapando a cara com as mãos
Neste momento, a médica dá dois passos em frente e diz "Já chega, devem ter informação detalhada o suficiente. O kit de violação já foi feito, assim que os resultados chegarem ser-vos-ão entregues. Deixem a senhora em paz com a família por favor."
Eu aproveito a deixa e dou um passo em frente em direcção à Bárbara, mas a Clara mete-me a mão no ombro e olha para mim deitando chispas dos olhos. Eu páro e deixo-a ir primeiro. Ela vai ter com a Bárbara, abraça-a carinhosamente, dá-lhe um beijinho na testa e diz: "Pronto, meu amor. Já não estás sozinha. Nem vais ficar mais. Estamos aqui. Chora à vontade. Isso"
A Bárbara soluça alto, completamente descompensada. A Clara olha para mim e eu sinto-me um bocado a mais. Mas de repente ela estica o braço e faz-me sinal para me juntar. Timidamente, meto a mão no ombro da Bárbara, que olha para mim, diz-me "Desculpa esta confusão!", abraça-me pela cintura e chora na minha barriga, enquanto lhe faço festas na cabeça.
(continua...)