Parte 27
(continuação...)
O meu despertador toca no dia a seguir. Dormi que nem uma pedra...
Estou sozinho na cama. Levanto-me calmamente e vou à casa de banho. A Luísa também não está. Procuro pela casa e não a encontro. Volto ao quarto e tenho um papel preso no monitor do centro do computador, que não vi quando acordei. "Fui tomar o pequeno almoço com a minha mãe. Falamos mais logo para combinar o almoço. Beijos". Visto-me, pego na mochila e saio de casa em direcção à Universidade. Durante toda a manhã, esperei por uma mensagem da Luísa, mas ela não mandou nada. Antes de entrar para a última aula, mando-lhe uma sms a confirmar o almoço. A meio da aula ela ainda não tinha visto a mensagem nem respondido, por isso peço ao João para perguntar à Sofia se almoçava connosco. Ela responde que a Luísa não foi às aulas de manhã mas que ela almoça connosco sem problemas. Verifico que ela não está online no Whatsapp e, segundo o João, não está online no Instagram desde ontem, por isso deduzo não foi a redes sociais toda a manhã.
Durante o almoço, comentei com a Sofia que a Luísa ainda não me tinha dito nada. Ela respondeu que ainda não recebeu qualquer mensagem dela naquele dia, mas que eu não me devia preocupar. Se fosse qualquer coisa de grave, certamente que ela me diria. Poucos minutos depois, o meu telefone toca, sinal de sms. Olho para o telefone e vejo "Luísa". Pego no telefone de tal forma rápido que o João se assusta. Leio a mensagem. Continha três frases. "Estou em Lisboa. Ligo-te ao fim do dia. Gosto de ti". Respondo-lhe: "Espero que esteja tudo bem contigo. Passei a manhã preocupado... Gosto muito de ti, também". Alguns segundos depois o telefone toca novamente: "Desculpa. Está tudo bem. Falamos logo. Um beijo.". Pouso o telefone perante o ar expectante do João e da Sofia e digo-lhes que a Luísa está bem, está em Lisboa e liga-me logo à noite.
- Será que se passou alguma coisa com o irmão dela? Ou pior, com a cunhada? - Aventa a Sofia
- A Luísa tem um irmão em Lisboa? - Pergunta o João
- Sim. E a mulher dele está grávida. Não pensei nisso... Espero que não seja nada de grave com eles. Bem lembrado, Sofia. - Respondo
Nem me lembrei dessa possibilidade. Que estupidez da minha parte. Aliviado por ter notícias, passo o resto da tarde muito mais concentrado. Ligam-me do hospital à hora combinada e informam-me que o meu pai apresenta melhoras e que a continuar assim antes do final da semana o retiram do coma induzido. Ligo à Susana, que fica animada com as notícias e depois ao Diogo, que não atende. Ligo à minha mãe, quer me diz que o Diogo está em reunião em Seia com o construtor e digo-lhe que o meu pai está melhor. A chorar de alegria, a minha mãe pergunta-me como tenho passado estes dias. Faço um resumo rápido, deixando de lado a Luísa e desligo ao fim de alguns minutos, pedindo-lhe para ter calma, que vai ficar tudo bem e assegurando-lhe que o meu pai está a recuperar bem e que vai voltar rapidamente e com saúde. Ao jantar, na cantina, sinto-me sozinho, pela primeira vez em muito tempo. Quando chego a casa, ponho Faith No More a tocar. Deito-me na cama trauteando o "Easy". Já não estou habituado a estar sozinho com os meus pensamentos. É uma sensação agridoce, pois ando feliz por estar com a Luísa e por as coisas estarem a correr-me melhor na faculdade, mas estou triste pelo meu pai. Sinto falta da Luísa, de poder falar com ela sobre tudo e sobre nada, de ouvir a sua voz tranquila, de sentir os seus lábios nos meus. Mas só estamos afastados há meia dúzia de horas, não faz sentido. Nisto o telefone toca. É a Luísa...
- Estou, Luísa?
- Olá Tiago. Desculpa não ter dito nada o dia todo.
- Não tem mal. Que se passa?
- Estou em Lisboa. Hoje de manhã fui tomar o pequeno almoço a casa da minha mãe, não estava com ela há muito tempo. Estávamos à mesa a falar e o meu irmão ligou. A Mónica teve um descolamento de placenta e foi de emergência para o hospital. Fomos a correr para Lisboa e passámos o dia sem saber se o meu sobrinho tem de nascer antes do tempo, se está tudo bem com a Mónica e a tentar acalmar o Marco. Não estive tempo nenhum sozinha e não quis falar contigo com toda a gente à volta. Não me parece ser o momento ideal para partilhar que tenho um namorado.
- Podias ter-me mandado uma sms...
- Verdade, mas não sabia muito bem o que te dizer antes de chegar a Lisboa e assim que soube que estava mais ou menos controlado mandei-te uma mensagem. Não fiques aborrecido.
- Não, está tudo bem.
- Há novidades do teu pai?
- Sim. Está a melhorar e a continuar assim antes do final da semana retiram-no do coma induzido.
- Boa! E as coisas em Seia?
- O meu irmão está em reunião com o construtor agora. Deve ligar-me a seguir.
- OK. Estás bem?
- Sim...
- É bom ouvir a tua voz.
- A tua também...
Falamos mais um pouco de tempo e despedimo-nos quando ela tem de ir jantar. Tanto ela como a mãe vão passar a noite na casa do Marco e voltam amanhã ao fim do dia a menos que a Mónica piore até lá. Alinhamos a possibilidade de estarmos juntos, uma vez que não vou a casa este fim de semana por causa do meu pai. Nisto o Diogo telefona.
- Tou mano, tás bom?
- Olá Diogo. Desculpa se incomodei.
- Não, na boa. Saí agora da reunião com o construtor. O Pai?
- O pai está melhor. Segundo o hospital, apresenta melhorias e, se continuar assim, antes do fim de semana retiram-no de coma induzido.
- Ainda bem. Isso são notícias excelentes.
- E a reunião, como correu?
- Temos o gajo agarrado pelos tomates. Se a seguradora recusar pagar a recuperação por causa da falta da barreira, meto-lhe um processo em tribunal em três tempos.
- Mas isso não vai demorar imenso tempo?
- Não, porque eu sei como as coisas funcionam. É assim mano, quando metes um processo contra uma empresa destas, eles querem é despachá-lo, para não ficarem com o nome manchado na praça e poderem continuar a trabalhar. Muitas vezes, a culpa destes acidentes nem é do construtor. É dos capatazes e de outros burros que se esquecem de colocar as barreiras. Ou que nem se dão ao trabalho. E depois acidentes destes acontecem. Era o primeiro dia do pai, provavelmente ele ainda não conhecia a obra e pensou que era uma entrada de uma divisão ou assim. Eu até posso colocar uma providência cautelar a solicitar o embargo da obra, enquanto o processo não estiver resolvido. Se o tribunal aceitar, a obra pára. O construtor perde um monte de dinheiro, porque tem de continuar a pagar aos funcionários e não pode construir nada. Nesta altura, o advogado deles vai telefonar e perguntar o que é que nós queremos, para chegar a um acordo. Nessa altura, vou dizer que paguem todas as despesas do hospital, a fisioterapia e uma indemnização por danos físicos de 100 mil Euros. O advogado deles vai pensar que eu estou maluco, vai desligar e vai ligar ao construtor. Depois vai ligar de volta a dizer que o meu pedido é ridículo e a oferecer uns dez mil euros. Eu vou chamar-lhe e ao construtor tudo o que puder, sem nunca lhe faltar ao respeito. E vou bater o pé que por menos de cem mil Euros a obra vai permanecer embargada. Ele vai desligar e vai novamente falar com o construtor, que vai gritar muito e vai pedir para despachar o assunto o mais rapidamente possível, porque ele não pode ter a obra parada. Então o advogado vai marcar uma reunião comigo e vai pedir-me para ser razoável, que se formos a tribunal o processo vai-se arrastar muito tempo e que corremos o risco de não recebermos dinheiro nenhum. E eu vou responder que enquanto isso estiver a acontecer, o construtor vai perder muito mais que cem mil euros por a obra estar parada. O advogado vai ficar apertado e vai oferecer-me o dobro. Vinte mil euros. Eu calmamente digo-lhe na hora que não. Ele vai dizer que não está autorizado a dar mais. Eu digo que o problema não é meu e levanto-me para me ir embora. Ele pede para eu não sair ainda e sai da sala, finge que telefona ao construtor e volta para nos oferecer quarenta mil Euros. Eu digo que vou conferenciar com a família. Ligo no dia a seguir e rejeito, porque o valor que o pai recebe anualmente pelos seus trabalhos é maior que esse e não sabemos se ele consegue trabalhar no próximo ano. Não aceitamos menos do que aquilo que ele recebeu em 2019, o último ano "normal". O advogado vai perguntar quanto é que isso e vamos dizer a verdade. Foram setenta mil euros. E apresentamos a declaração da contabilista do pai se o advogado pedir. Ele vai dizer que é muito e vai oferecer qualquer coisa como 50 ou 55 mil. E aí aceitamos. Pode parecer pouco mas se o processo fosse para tribunal, talvez recebêssemos trinta mil daqui a dois ou três anos se corresse bem. É bem bom!
- E achas que isto vai demorar quanto tempo?
- Depende do advogado deles, mas pelo feitio do menino, ele deve querer despachar isto. Um mês ou dois, no máximo. A contrapartida é assinarmos um acordo a dizer que retiramos a queixa e não divulgamos os detalhes do acidente a ninguém. Mas pronto. O pai e a mãe ficam com uma almofada de um ano de receita. Podem fazer as obras ou vender a casa e comprar outra melhor. É com eles. Entretanto, eu vou ficar mais uns dias por aqui. Podemos jantar na sexta os dois?
- Claro que sim, mas eu fico em Coimbra, a acompanhar o pai. Não vou à terra.
- Pois, era nisso que eu estava a pensar. Marca então um restaurante aí para sexta-feira às oito e meia, para comermos qualquer coisa de jeito. OK?
- OK, mano.
- Vá, tenho de ir andando. Beijinhos, mano.
- Beijinho.
Dá jeito ter um irmão advogado e outro médico, nestas situações... Mando uma mensagem com um resumo da conversa à Luísa, que me responde alguns minutos depois agradada com o plano do meu irmão. Acrescenta que ainda não se sabe grande coisa da Mónica. Trocamos algumas mensagens carinhosas e despedimo-nos. Ela manda uma fotografia a dar-me um beijo, por Whatsapp. Eu respondo com uma foto igual e a dizer que tenho saudades dela. Ela vê mas não responde. Concentro-me no Mike Patton e adormeço pouco tempo depois, até ao despertador tocar na manhã seguinte.
(continua...)